quarta-feira, 23 de julho de 2014

aves

       Eu estava tão cansada que tudo o que realmente me interessava fazer era nadar. Mas mesmo com a praia estendida diante de mim como um tapete, tudo o que me permiti fazer foi observar o voo das aves. As aves: senti que nascera para somente admirar os seus voos e nunca para habitar no coração de uma. Eu atirava uma pedra e elas esvoaçavam em todas as direções. Sei que todas elas, de uma forma ou de outra, mesmo aquelas que não possuem o sentido literal de ser-se ave, acabam, mais dia menos dia, por escalar o céu em direção ao sonho. E é precisamente aí que entra o meu papel, ficar a vê-las perderem-se no horizonte e deixarem para trás um estranho rasto de eternidade. As aves: levam nas suas penas todos os sonhos do mundo. Quando me decidi a entrar dentro da água, também eu deixei para trás algo. Um acto contínuo: levanto-me, sacudo a areia e avanço em direção ao mar. Atrás de mim fica a imagem de um tempo em que amava as aves que se insinuavam inalcançavelmente perto. A água gelada batia na minha pele marmórea. Algures num ciclo enevoado do tempo, eu tornei-me leve como espuma. O sal infiltrava-se na minha pele e afastava as minhas sombras para longe. Lá em cima, o sol descia lentamente. Lembro-me de ter pensado que também ele estava cansado e que tudo o que ele queria realmente fazer era nadar.

i.o