segunda-feira, 27 de maio de 2013

Dançar como aves

Talvez se o meu cabelo cortasse o ar delicadamente num rodopio- em passos de anjo e pequenos voos, braços arqueados como asas e pés descalços- soubesse eu dançar como aves- e cobriria os meus olhos de sombras para que os visses também, a eles, dançar. Talvez se os meus modos fossem mais delicados, como perfume de framboesa num jardim de inverno e com ponta dos meus dedos te encontrasse amor, pousando no chão do meu salto de mariposa em chamas, com a ponta dos dedos te derretesse a pele, qual neve. Encontrasse eu o segredo de tal beleza, não fosse eu mulher das palavras, e reproduzir em perfeição cada um desses gestos, e, exclamo suspiros, oh, oh... pudesse. Talvez pudesses também tu, gostar de mim. 

Iolanda Oliveira

quarta-feira, 22 de maio de 2013


 Pelas noites descansa o corpo,
Que acorda para a insónia,
Pede-te que venhas, lento-
Quente, como chamas que não ferem.
Pede-te que venhas... Vem.

Fala-me de ontem e de amanhã
Que o hoje cansa, cedo-
Logo pela manhã.
Fala-me do que foi, do que será,
Porque só do que é se tem medo.

Mas apaga as luzes, se vieres,
Que olhar-te tem um preço:
Querer que fiques...
Posso antes ouvir-te, tocar-te e imaginar
Apenas, que imagino que te tenho.

E adormecer em pele morna
De nos termos.
Sob o som do relógio que compassa o ritmo
Do esquecimento. Acenderias um cigarro?
Sorver dele o meu sono.

Faz o tempo perder as horas...
O infinito perder o tempo.
Faz com que seja- agora!-
Eterno, esse momento.
Mas, no fim, não me acordes, vai embora.
 
Iolanda Oliveira

sábado, 11 de maio de 2013

Abstrato natural

Procuro abstrair-me de fantasias, dos tentáculos tentadores dos sonhos cujas ilusões nos aparecem verdadeiras à percepção. Olho em volta, tentando filtrar o real, mas tudo o que encontro é gelado, é triste. Sento-me na esplanada, peço uma meia de leite, sem sonhos por favor, e é tudo, perguntam-me, sim, se faz favor. Uma meia de leite e é tudo, sem sonhos. Traz-me educadamente o pedido e mal me olha nos olhos, avental branco, camisa bem passada a ferro, ar esgotado. São dez e meia da noite, faz tempo que a lua se colocou além, um pouco acima da ponte, parecendo pousar para a calma cidade, espelhando-se no rio porque brilho lhe falta pela noite. Uma meia de leite, quente, enternecedora para as mãos e é tudo, sem sonhos. Embora, por estas horas, bastasse uma distracção para que a loucura esvoaçasse nesta mente, vibrasse nas cordas vocais, tremesse pelas mãos, sem precisar de aguentar até poder escrevê-la. Olho em volta, um casal duas mesas atrás, conversam baixinho ou sussurram amor, à minha direita, um senhor de idade bebe em pequenos goles uma cerveja, de olhos fixos no televisor. É quarta-feira, o estabelecimento tem pouco movimento. Olhe, podia chegar aqui, por favor? O empregado aproxima-se devagar, olhar baixo, no mais comum movimento da rotina, deslocando-se para atender outro das centenas de clientes que serve por dia. Sim, deseja mais alguma coisa? Sorrio-lhe e atento na expressão despreocupada, porém, lentamente e num leve esgar, formando traços de impaciência e seguidamente de incompreensão. Desejo sim, poderia sentar-se um pouco aqui e conversar comigo? Como diz, ele questiona, de todos os pedidos que lhe haviam feito este era sem dúvida o que mais o espantara. Homem de cerca de vinte e três anos, bom aspecto, apesar de exausto, pele tom de castanha, olhos de ébano, dentes perfeitamente alinhados. Porém, não me consigo recordar se era bonito ou não, levei-lhe os traços comigo e agora escrevo-os, mas não estudei tempo suficiente o seu rosto para sorver a essência dos seus modos. Tampouco fiquei tempo suficiente para lhe escutar uma resposta, pois de súbito, a loucura expectante existente em mim quis caminhar pela noite, junto à foz, contando estrelas e brilhando à Lua, que tão cheia de luz estava às onze horas... Obrigada, aqui tem, fique com  troco, disse-lhe. Oh, e veja como está linda a noite de hoje, disse ainda, sobre o ombro, enquanto abria a porta para sair. 
                                                                                                      Iolanda Oliveira